domingo, 19 de dezembro de 2010

Ritos Iniciais na Santa Missa IV

Por D. José Palmeiro Mendes, OSB 


Abade Emérito do Abadia Nossa Senhora de Montserrat
(Mosteiro de São Bento), no Rio de Janeiro, RJ 


A parte 1 deste estudo encontra-se neste link 


A parte 2 deste estudo encontra-se neste link

A parte 3 deste estudo encontra-se neste link

Glória

“O Glória é uma hino antiqüíssimo e venerável, pelo qual a Igreja, congregada no Espírito Santo,m glorifica e suplica a Deus Pai e ao Cordeiro. O texto deste hino não pode ser substituído por outro. Entoado pelo sacerdote ou, se for o caso, pelo cantor ou o grupo de cantores, é cantado por toda a assembléia, ou pelo povo que o alterna com o grupo de cantores ou pelo próprio grupo de cantores. Se não for cantado, deve ser recitado por todos juntos ou por dois coros dialogando entre si.     

É cantado ou recitado aos domingos, exceto no tempo do Advento e da Quaresma, nas solenidades e festas e ainda em celebrações especiais mais solenes.”

Aprofundemos um pouco estas considerações fundamentais da Instrução geral sobre o Missal Romano (53).   

O Glória é uma das mais antigas composições da Igreja.A redação mais antiga conhecida se encontra nas Constituições Apostólicas (cerca de 380), em que falta ainda a parte cristológica. O Código Alexandrino, do séc. V, corresponde quase literalmente ao texto atual. É um dos chamados “salmos não bíblicos”, compostos a maneira dos hinos do Novo Testamento. Era cantado, na Liturgia bizantina, no ofício das matinas. Era assim também em Jerusalém no séc. V. Tinha uma função semelhante a que possui hoje o Te Deum (entre estes dois hinos há um paralelismo também de estrutura). No séc. VI já é mencionado em Roma, introduzido na missa do dia de Natal . Há várias versões do Gloria, uma delas até de tendência ariana. Somente o bispo entoava este hino no Natal, e conservou tal privilégio por muito tempo, ainda no séc. VIII .É atribuída ao Papa Símaco (498-514) a extensão do Glória aos domingos e às festas dos mártires, mas o canto cabia sempre ao bispo. No séc. VIII já aparece na Gália, proferido por qualquer celebrante. Mas um documento do séc. XI ainda diz que também um simples sacerdote podia entoar tal hino, mas acompanhando o bispo (de início só na Páscoa). No final do séc. XIII temos disposições limitando o canto do Glória e o proibindo em certos tempos do ano e em algumas celebrações. O Missal Romano atual o reduziu ainda mais: é dito aos domingos (mas não os do Advento e da Quaresma), solenidades e festas e, facultativamente, em quaisquer missas de caráter mais festivo.

Este canto permanece uma marca de solenidade, sendo um louvor ao Pai, indo até dar-lhe graças por sua glória e que anuncia a paz aos homens que são objeto da boa-vontade divina. É também uma contemplação do Filho, sentado à direita ao Altíssimo. O Espírito Santo é igualmente nomeado no final, mas ele se revela na inspiração muito próxima das Escrituras do conjunto do hino (cf. Robert Cabié, “A Eucaristia” in “A Igreja em Oração – Introdução à Liturgia” (nova edição) sob a direção de A.G. Martimort, p.70-71).       

“Enquanto o Kyrie é mais uma invocação de veneração do que um canto, o Gloria in excelsis foi desde o início um hino, um canto. Mesmo que por suas origens o Kyrie e o Gloria sejam claramente distintos, não se pode ver um contraste entre eles: o Gloria é um reforço do Kyrie como adoração e oração. Nem o Kyrie, nem o Gloria foram – como se pensa – compostos em vista da missa. O Gloria era na origem um dos cantos da Igreja antiga, composto tendo como modelo os cantos bíblicos, como o Magnificat e os salmos do Antigo Testamento” (Johannes Hermans, “La Celebrazione dell´Eucaristia – per una comprensione teologico-pastorale della Messa secondo il Messale Romano”, Torino 1985, p. 186).

Julga-se que desde o início fosse um canto de todo o povo: na liturgia romana era entoado pelo bispo, que se voltava em direção ao povo e depois era cantado por todo o povo.          

Percorramos agora, com a ajuda de Hermans, o texto deste hino. Ele inicia com um versículo do Evangelho (Lc 2, 14). O termo ‘gloria’ significa originalmente, no uso bíblico, o esplendor revelado de Deus; o Glória não é por isso um dar honra a Deus, mas mais uma profissão daquele esplendor que lhe cabe. É o reconhecimento de um fato histórico, a revelação de Deus na história, e do plano salvífico divino que continua e que deve continuar a realizar-se; trata-se de uma constatação e de um anúncio. A paz de que se fala, é a paz e a salvação do reino escatológico e messiânico, a paz que dá Cristo e que por isso transcende muito a toda paz de origem terrena, mas que se realiza já aqui sobre a terra por graça de Deus. A expressão latina ‘bonae voluntatis’, traduzida por “(homens) por ele amados”, tem um significado diverso daquele que a antiga tradução (‘de boa vontade’) fazia pensar. Não se trata tanto da benevolência dos homens para com Deus, mas da boa vontade de Deus, de sua benevolência. Os homens da ‘boa vontade’ são por isso os homens que Deus escolheu e nos quais se compraz, os homens que Deus ama.  

Após este versículo introdutório começa a primeira estrofe, o louvor de Deus. A glorificação de Deus consta de uma sucessão de breves conceitos que exprimem uma única idéia de homenagem a Deus. Com um reagrupamento de expressões que indicam a ação humana de louvor e de agradecimento e os nomes de Deus (cf. também o Te Deum), é cantada a glória de Deus: Laudamus Te, benedícimus Te, adoramus Te, glorificamus Te, gratias agimus Tibi propter magnam gloriam tuam: verbos diversos que exprimem todos a atitude de louvor de ação de graças; seguem os nomes com que são indicados Deus: Domine Deus, Rex caelestis, Deus Pater omnipotens. De tudo resulta uma festiva confissão do nome de Deus.       

Com as palavras ‘Domine Fili unigenite’ começa a parte cristológica. Também aqui se trata de uma homenagem. A proclamação de ação de graças e da glória de Deus leva naturalmente o crente à confissão do nome do Filho de Deus, no qual a benevolência do Pai e a glória de Deus se tornaram visíveis sobre a terra. Em primeiro lugar Cristo é indicado com vários apelativos; depois, como uma litania, seguem as implorações que pedem sua obra para a salvação do mundo, para obter misericórdia e favor. Cristo é chamado, com as palavras de João Batista, o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Daquele que é o ‘Senhor’, se implora, como no Kyrie, misericórdia (“tende piedade de nós”). O tríplice implorar termina com uma invocação àquele que agora está à direita do Pai. É depois expressa uma tríplice motivação da invocação, dirigida aquele que só ele merece o nome de ‘Senhor’. Em contraposição aos reconhecimentos de divindades que os pagãos davam, os cristãos chamam apenas Jesus Cristo de ‘o Senhor’; os crentes sabem também que toda santidade cristã é só uma irradiação e uma participação na santidade do único santo, o Senhor.
A parte cristológica do Glória conclui com uma profissão de fé trinitária: o louvor de Deus torna-se um louvor a Jesus Cristo como revelação da glória de Deus e profissão de fé no Deus Trino. O hino assume assim um caráter claramente doxológico.

Encerremos observando que não se pode substituir o Glória por um outro canto ou com um texto análogo (paráfrases), como infelizmente as vezes se faz. Apenas para as celebrações eucarísticas com as crianças se podem usar textos – para o Glória, o Credo, o Santo e o Cordeiro de Deus – que sejam um pouco diferentes dos textos litúrgicos, desde que aprovados (Diretório de Missas com Crianças, 31).

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