segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Liturgia da palavra

Por D. José Palmeiro Mendes, OSB 


Abade Emérito do Abadia Nossa Senhora de Montserrat
(Mosteiro de São Bento), no Rio de Janeiro, RJ 


A parte 1 deste estudo encontra-se neste link 

A parte 2 deste estudo encontra-se neste link

A parte 3 deste estudo encontra-se neste link

A parte 4  deste estudo encontra-se neste link

A parte 5  deste estudo encontra-se neste link

Nos últimos textos  terminamos de comentar os ritos iniciais da Santa Missa. Tais ritos não deixam de ter sua importância – nunca é demais inculcar a presença neles dos fiéis, que deveriam esforçar-se para não chegar atrasados – mas são secundários em relação às duas partes fundamentais da celebração: a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística.

Passemos, então, agora a analisar a Liturgia da Palavra. Ela comporta as leituras, a homilia e a oração universal. O Catecismo da Igreja Católica (1349), falando do movimento da celebração, explica: “A Liturgia da Palavra comporta “os escritos dos profetas”, isto é, o Antigo Testamento, e “as memórias dos Apóstolos”, isto é, as epístolas e os Evangelhos; depois da homilia, que exorta a acolher esta palavra, vêm as intercessões por todos os homens, de acordo com a palavra do Apóstolo: “Eu recomendo, pois, antes de tudo, que se façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças por todos os homens, pelos reis e todos os detém a autoridade” (1 Tm 2, 1-2).


Teologia da Liturgia da Palavra
Cremos que nunca é demais inculcar a importância da Liturgia da Palavra na Missa. Por isso achamos interessante citar neste primeiro artigo um documento importante e muito recente, de caráter teológico, versando sobre o assunto. Trata-se do chamado
Relatório “ante disceptationem” (antes da discussão) para a XII Assembléia do Sínodo dos Bispos no mês de outubro passado, que tratou do tema “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. É um relatório feito a partir das respostas recebidas ao Instrumento de Trabalho da Assembléia. Foi publicado na edição de 11 de outubro de 2008 do L´Osservatore Romano (edição semanal em português). O autor deste relatório, proferido por ocasião da primeira congregação geral do Sínodo, dia 6 de outubro, foi o cardeal Marc Ouellet, sulpiciano, arcebispo de Québec e primaz do Canadá, doutor em Teologia Dogmática pela Universidade Gregoriana, antigo professor da Universidade Lateranense, tendo sido secretário do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e consultor das Congregações para a Doutrina da Fé e para o Culto Divino.

O cardeal começa falando nas diversas modalidades de presença de Cristo na Liturgia: “(...) a Constituição Sacrosanctum concilium insiste sobre as diversas modalidades da presença de Jesus Cristo na Liturgia: “Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – “O que oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz” – e sobretudo quer sob as espécies eucarísticas”. Cristo “está presente na sua palavra, pois é Ele quem fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura” (Sacrosanctum concilium, 7).

“É Ele quem fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura”. Jamais terminaremos de descobrir as implicações pastorais desta solene afirmação conciliar. Ela recorda-nos que o sujeito primário da Sagrada Liturgia é o próprio Cristo que se dirige ao seu povo e que se oferece ao Pai como sacrifício de amor pela salvação do mundo.

Embora na realização dos ritos litúrgicos a Igreja dê a impressão de desempenhar um papel primário, na realidade ela desempenha sempre uma função subordinada, ao serviço da Palavra e dAquele que fala (...)”

E frisa logo a seguir o cardeal Ouellet: “Quando a Palavra é proclamada, é o próprio Cristo quem fala em nome do seu Pai, e o Espírito Santo faz-nos acolher a sua Palavra e participar da sua vida. A assembléia litúrgica existe enquanto estiver centrada na Palavra, e não em si mesma. Caso contrário, ela degenera num simples grupo social.

Com esta insistência, a Igreja ensina-nos que a Palavra de Deus é acima de tudo Deus que fala. Já na Primeira Aliança, Deus fala ao seu povo através de Moisés que em seguida lhe traz a resposta do povo às palavras de Javé: “Faremos quanto o Senhor nos disse!” (Ex 19, 8).”

E o cardeal diz algo particularmente importante, que deveríamos reter: “Deus não fala tanto para nos instruir, como sobretudo para se comunicar a si mesmo e para “nos introduzir na sua comunhão” (Dei Verbum, 2). O Espírito Santo realiza esta comunhão reunindo à comunidade à volta da Palavra e atualizando o mistério pascal de Cristo, no qual se oferece a si mesmo em comunhão, porque segundo as Escrituras a missão do Verbo encarnado atinge o seu ápice na comunicação do Espírito divino. Nesta luz trinitária e pneumatológica, manifesta-se de modo mais evidente que a Sagrada Liturgia é o diálogo vivo entre Deus que fala e a comunidade que ouve e responde com o louvor, a ação de graças e o compromisso assumido na vida e na missão”.

E o arcebispo de Québec pergunta aos padres sinodais: “Que conseqüências deveria ter a redescoberta deste lugar originário da Palavra sobre a hermenêutica bíblica, sobre a celebração eucarística e acima de tudo sobre o papel e a função da Liturgia da Palavra, inclusive a homilia?”

Palavra e Eucaristia

O relatório “ante disceptationem” cita um texto fundamental da Constituição Dei Verbum do Concílio Vaticano II (21): “A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, sem nunca deixar, sobretudo na Sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus, quer do Corpo de Cristo”.

E explica o cardeal Ouellet: “Comparando a Liturgia da Palavra e a Eucaristia com duas “mesas” a Dei Verbum queria juntamente sublinhar a importância da Palavra. Esta expressão retoma um dado tradicional que é ressaltado com vigor por Orígenes, por exemplo quando exorta a respeitar a Palavra como se fosse o Corpo de Cristo: “Se, quando se trata do seu corpo, sois justamente tão prudentes, por que desejaríeis que a negligência da Palavra de Deus merecesse um castigo menor que o do seu corpo?” (Homilias sobre o Êxodo 13, 3).”

As duas “mesas” servem o mesmo “Pão de vida” aos fiéis. Daí o cardeal observar: “Quer seja sob a forma de Palavra na qual acreditar, quer de Carne para comer, a Palavra proclamada e a Palavra pronunciada sobre as oferendas participam do mesmo acontecimento sacramental. A Liturgia da Palavra contém em si mesma uma força espiritual que é contudo decuplicada pelo seu vínculo intrínseco com a atualização do mistério pascal: a Palavra de Deus que se faz carne sacramental pelo poder do Espírito Santo.”

O Espírito Santo confere à Palavra proclamada na Liturgia uma virtude “viva e eficaz” (Hb 4, 12). “Isto significa – diz o relatório – que a Palavra litúrgica, como o Evangelho, “não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera fatos muda a vida” (Bento XVI, Spe salvi, 2).” E explica: “Aquele que fala não quer tanto instruir com a sua Palavra, mas sim comunicar-se a si mesmo. Aquele que ouve e responde não adere unicamente a verdades abstratas; mas compromete-se a nível pessoal com toda a sua vida, manifestando desta forma a sua identidade de membro do Corpo de Cristo”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário