terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Ritos Iniciais na Santa Missa V

Por D. José Palmeiro Mendes, OSB 


Abade Emérito do Abadia Nossa Senhora de Montserrat
(Mosteiro de São Bento), no Rio de Janeiro, RJ 


A parte 1 deste estudo encontra-se neste link 

A parte 2 deste estudo encontra-se neste link

A parte 3 deste estudo encontra-se neste link

A parte 4  deste estudo encontra-se neste link

Oração da coleta  

Após o “Senhor, tende piedade de nós” (Kyrie, eleison) e, se for o caso, o “Glória”, o sacerdote faz um breve momento de silêncio e, então, profere a oração denominada “coleta”, também chamada “oração do dia’. É propriamente a primeira oração da missa, eis que até agora tivemos uma antífona (Introito), palavras de introdução, uma aclamação (Kyrie), um hino (Glória).   

“Estas orações tem um lugar marcante na liturgia. Elas são solenemente pronunciadas ou cantadas. Mas nem os fiéis nem os celebrantes parecem ter notado sua importância. É raríssimo que sejam o objeto de uma pregação que as explique. Ninguém as grava, como se grava por vezes uma leitura bíblica ou um salmo. É porque, muitas vezes, são ditas rapidamente. Ninguém então tem o tempo de se dar conta de seu conteúdo. Com efeito, são breves e densas. Para serem compreendidas, teriam necessidade que se prestasse a elas uma atenção sustentada, e talvez também alguns conhecimentos litúrgicos” (Pe. Adrian Schenker, OP, prefácio ao livro de D. Patrick Hala, monge de Solesmes “Habeamus gratiam – Commentaire des collectes du Temps Ordinaire”, Solesmes, 2002: ele se refere tanto à coleta como às orações sobre as oferendas e depois da comunhão).       

A propósito, é bom conhecer a palavra “eucologia”. Trata-se da ciência que estuda as orações e as leis que governam a sua formulação. 

Em sentido menos próprio, porém já em uso corrente, é o conjunto das orações contidas em um formulário litúrgico, em um livro ou, em geral, nos livros de uma tradição litúrgica (cf. o verbete de autoria de Matias Augé no “Dicionário de Liturgia”, Edições Paulinas 1992, pp. 415-423). À eucologia maior pertencem as orações mais complexas, como os prefácios, as orações eucarísticas, as bênçãos solenes. À eucologia menor, pertencem as orações mais simples. Pode-se dizer que a ‘coleta’ é a mais importante oração dentro da eucologia menor, exprimindo a índole da celebração.   


O sacerdote convida a assembléia à oração,dizendo: “Oremos”. Segue-se, então, um momento de silêncio em que o sacerdote e todos os presentes tomam consciência de que estão na presença de Deus e fazem sua oração particular. Não deve ser demasiado breve –pois então não daria para nada, seria uma ficção o silêncio – nem demasiado longo.Alguns liturgistas falam em aproximadamente dez segundos. E então o padre se volta para Deus e profere a oração, como que recolhendo as orações de cada um dos presentes (o termo “collecta”, “colligere”, significa “colher”, “recolher”... e aí se vê por que se usa o mesmo termo para a “coleta” de dinheiro ou outros dons que são recolhidos durante o ofertório).     

A oração é proferida pelo sacerdote de braços estendidos, o que lembra as mãos estendidas e cravadas do Ressuscitado. É o gesto tradicional do orante.
Conforme antiga tradição da Igreja, a oração costuma ser dirigida a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo (o atual Missal só tem três orações que são dirigidas a Cristo: sexta-feira da I semana do Advento, manhã de 24 de dezembro, Corpus Christi). A conclusão exprime este sentido trinitário: “Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo” (ou se menciona o Filho no final: “Que convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo”).

O povo, unindo-se à súplica do sacerdote, faz sua a oração, aclamando: “Amém”. Trata-se de palavra de origem hebraica que significa: “é verdade”, “é assim”, “é digno de aprovação”. Outras vezes ainda vamos nos referir a ela. Embora uma simples palavrinha, oxalá nunca deixe de ser dita, alta e bom som, de forma consciente, pelos fiéis, mostrando que estão participando atenta e ativamente do rito.       

Antigamente na mesma Missa, conforme o dia, se diziam duas ou mesmo três orações, proferindo-se apenas a conclusão “Por nosso Senhor...” no final (por exemplo: a oração própria do dia + a oração da oitava de uma grande festa + a oração de um santo; ou então: a oração própria da festa do dia + oração própria de uma ordenação sacerdotal). Hoje isso não deveria se verificar mais, pois a Instrução Geral sobre o Missal Romano é clara: Na Missa sempre se diz uma única oração do dia” (nº 54), o que nem sempre é seguido.  

Muitas das coletas da Missa são de uma venerável antiguidade – algumas até do séc. V - tendo como fontes antigos livros litúrgicos dos sécs. VI, VII, VIII... Há orações provavelmente compostas por Padres da Igreja, como S. Leão Magno e S. Gregório Magno; outras se inspiraram neles e em Santo Agostinho, Santo Ambrósio, S. Cesário de Arles, etc. Criou-se mesmo um “estilo romano” das orações, que vem da liturgia romana clássica, que é a destes tempos antigos: as orações são concisas, objetivas, numa linguagem quase jurídica, estilo ritmado, enfim textos nada poéticos e sem sentimentalismo. Isto se vê especialmente quando tomamos os textos em latim ou fazendo uma tradução literal das coletas (a tradução portuguesa do Missal feita pela CNBB as vezes se afasta bastante do texto latino e se espera agora uma tradução um pouco mais literal, pedida pela Santa Sé). O Missal contém também algumas coletas feitas recentemente, por ocasião da reforma litúrgica pós-conciliar, redigidas de forma especial a partir de textos do Concílio Vaticano II (por exemplo, nas Missas para diversas circunstâncias). Tais coletas são facilmente identificadas por terem um texto grande, sem a brevidade romana.

As coletas são compostas geralmente em três partes:    

- uma invocação inicial: dirigida, como dissemos, a Deus Pai, lembra um atributo de Deus (todo-poderoso, eterno, cheio de misericórdia...), contém uma memória, a recordação do ato salvífico ou a vontade salvífica de Deus;

- súplica: mostra a atitude de humildade do suplicante (as vezes se resume numa palavra);     

- desejo: fazemos um pedido, ainda que de forma genérica.   

Tomemos, como exemplo, a coleta da Missa da Noite de Natal, que remonta aos meados do séc. VII (Sacramentário Gelasiano):     
1ª parte: Ó Deus – diz simplesmente, sem evocar nenhum outro atributo da divindade; e aí prossegue recordando o ato salvífico da noite do Natal: “que fizestes resplandecer esta noite santa com a claridade da verdadeira luz”;
2ª parte: a súplica consiste simplesmente na palavra “concedei”;
3ª parte: pedimos “que, tendo vislumbrado na terra este mistério, possamos gozar no céu sua plenitude”. 

Chamando a atenção para a oração da coleta, queremos, de forma especial, convidar os leitores a passarem a prestar atenção a ela, tanto quando a ouvem sendo proferida pelo sacerdote na celebração eucarística, como preparando a missa, ou quando retomam os textos posteriormente, na ação de graças, lendo o pequeno Missal dominical ou cotidiano ou o folheto da missa dominical.Uma boa idéia é tomá-las mesmo como objeto da “lectio divina”. São textos muito ricos de conteúdo, que precisam ser lidos e relidos, pois o profundo pensamento teológico que transmitem nem sempre é assimilado numa simples escuta. Querendo participar de modo bem consciente da celebração eucarística, podemos nos perguntar: “O que a Igreja nos faz pedir ao Senhor nesta missa?” Isto sabemos pela oração da coleta. Lendo e meditando estas orações aprendemos também a rezar melhor, deixando de pedir – ou pedindo menos ou de forma secundária – pequenas coisas, mas abrindo nossos corações para os grandes pedidos, por vezes pedidos fundamentais em vista de nossa salvação, que a Igreja, dirige ao Pai em nome de todos os seus filhos. O conjunto destas orações constituem, como bem diz o bispo beneditino de Mende, na França, Mons. Robert Le Gall, “uma pequena suma cinzelada de vida espiritual, plena de finura e profundidade”. “As fórmulas da tradição romana – diz ele – em razão de sua concisão, são muitas vezes pequenas jóias que se devem repetir, aprender, reaprender, para guardar no “palácio do coração”, como S. Gregório Magno gostava de falar, o sabor dos mistérios celebrados” (prefácio do livro de D. Patrick Hala, “La spiritualité de l´Avent à travers les collectes”, Solesmes 2004). É belo pensar que muitas destas orações foram proferidas por gerações e gerações de bispos e sacerdotes, alimentando a vida espiritual de muitos santos.

“Ó Deus, força daqueles que esperam em vós, sede favorável ao nosso apelo, e como nada podemos em nossa fraqueza, dai-nos sempre o socorro da vossa
graça, para que possamos querer e agir conforme vossa vontade, seguindo os
vossos mandamentos. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade
do Espírito Santo” (coleta do XI domingo do Tempo Comum).

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